terça-feira, 30 de maio de 2017

O arquétipo feminino e a culpa

A sensação de culpa é uma sutil camada que permeia as massas sociais, a cultura da culpa é uma tentativa de aprisionamento do Ser, o dispositivo de ação desse mecanismo ocorre no corpo, na sexualidade, na força religiosa cristã, essa tríade corpo/sexo/fé quando se enquadra nos moldes do status quo, e se permite a expressão de sua inteireza e criatividade em deleites e alegrias, eis que de longe, como num sussurro vem a culpa, instalando-se na mente, o pecado, obscurecendo o espírito, a prisão e o ato final da culpa, a condenação da alma. Essas características são simbólicas e apreendidas por todos, seja na luz da consciência ou na sombra da mente.
Na literatura mítica, a culpa emerge do elemento feminino. Para os gregos Pandora, foi a primeira mulher, criada por Zeus, como castigo para o crime de Prometeu, que roubou o fogo dos deuses e entregou-o aos homens, ela portava uma caixa que continham todos os males do mundo, e que era presente de Zeus para Prometeu. Pandora não tinha permissão para abrir a caixa e esta não chegou às mãos de Prometeu, porque ele não aceitou mais nada dos deuses, já havia conquistado o fogo! Restou Pandora, recém criada com sua caixinha em mãos, que tomada pela curiosidade abriu-a e espalhou por toda a face da terra os castigos e males que estavam dentro da caixa, porém, na caixa também estava a esperança e ela não saiu, ficou sozinha na caixa de Pandora. Por trás de toda maldade restou um enigma, ter ou não esperança? Culturalmente a culpa dos males recai sobre Pandora, diferente da responsabilidade de Prometeu ao roubar o fogo sagrado. Primeiro houve um roubo, ato de coragem, afronta e depois o castigo, a caixa de Pandora, com a culpa. São notórias as qualidades que se expressam nos elementos masculino e feminino, em Prometeu as falhas são solares e em Pandora, lunares. Para os hebreus, judeus e cristãos Lilith foi a primeira mulher e Adão era seu companheiro, eles tinham uma relação de iguais, porém diz os tempos que na hora do sexo Adão não queria Lilith por cima, mas ela queria! E que por uma luta de poder envolvendo a sexualidade de ambos, pois não houve acordo e nem a submissão de Lilith. Ela abandona Adão e vai viver bem longe do Paraíso, amando os demônios e com eles povoando a Terra. Deus intercede por Adão e manda um anjo falar com Lilith, para que ela volte com Adão, mas ela não aceita e segue seu caminho que já iniciara. Deus como um bom pai, faz Eva para Adão não sofrer por solidão. Eva, a da costela é submissa, mas nem tanto. Quando é tentada por uma serpente para comer do fruto proibido ela ainda por cima tenta Adão a pecar com ela! E ele peca! E ela leva a culpa. E a humanidade cai.
Com referencia nesses mitos notamos a relação culpa-feminino. E atualmente segue a referencia, não à toa o feminismo está crescendo enquanto debate teórico de maior amplitude social e também enquanto ação organizada de coletivos de interesse comum, a igualdade dos gêneros. E indo num aspecto mais difuso o feminismo ao meu entendimento, retira um pouco do peso arcaico da culpa feminina, trazendo à tona a questão da responsabilidade. Culpa é estigma; responsabilidade é atitude social.  Aos arquétipos masculinos desses mitos não percebemos vestígios de culpa, antes sim, uma relação de querer dominar o feminino, evitando a todo custo a livre expressão da força feminina, pois nela contém o que não se domina, não se conhece, não se controla, e quando a tentativa é contrária, surge a culpa, necessária dentro da desconexão, por isso é uma energia/emoção que drena a criação e a alegria de viver, quando tomados pela culpa achamos que a felicidade não nos pertence.
A culpa é paternalista, infantiliza o culpado, castrando-o emocionalmente. É uma energia paralisada, oca e sufocante, que se mantém pelo medo da responsabilidade do encontro inevitável com a Lilith, Eva e Pandora antes da culpa, na forma selvagem, com a inteireza de seus “desvios” que levaram à construção da culpa.
Astrologicamente a Lua, Vênus e Lilith são as principais energias femininas do mapa. A Lua é mais emotiva, senhora dos sonhos, das memórias, dos afetos, das árvores da infância, do gosto do primeiro beijo, da vergonha, do bullyng enfrentado na escola ou na família, é o drama de não ser aceito e querido e é o conforto de ser abraçado. Vênus é a necessidade do prazer, a sensualidade de existir em um corpo, o amor que seduz até consumar-se no sexo, é a beleza. Lilith é a própria culpa e fracasso do que não pode ser expressado sem um grande impacto e por vergonha se transforma em sombra, é uma incrível capacidade de superação, é liberdade selvagem sem reservas. Então, podemos observar os aspectos, signos e casas que acompanham esses planetas no mapa astral e refletir sobre o quão culpado me sinto. Vênus em aspecto com Saturno, mostra uma necessidade de controle nos relacionamentos, de falta de espontaneidade, assim Vênus não vive sua expressão amorosa como gostaria, pois é limitada por Saturno, e se a culpa se instalar por não viver a vida amorosa como gostaria, nada vai resolver, só haverá mais pesar, e pra sair dessa? Uma opção é responsabilizando-se como Saturno, exige, mas abrindo espaço-tempo (Saturno) para os prazeres e amores (Vênus). Se a ligação for da Lua com Mercúrio, poderá trazer uma necessidade vital de intelectualizar as emoções e isso pode deixar a expressão emocional fria, porém rápida e vivaz, mas a Lua é cálida... Daí já se abre uma brecha para a instalação da culpa. Como transcender culpa? Com humor, alegria, nesse exemplo, Mercúrio com sua inteligência lógica sabe que é melhor responsabilizar-se do que culpar-se, ao se permitir brincar, se demorar num aconchego, e a Lua se não se irritar com a rapidez da lógica, mas poder se encantar com as viagens mentais, pelos reinos da criação, deixar a expressão da arte sair e sentir.

A mudança do paradigma séculoculpar é a responsabilidade com amor, pois estamos falando do feminino, são gerações de Vênus, Luas, Liliths, Evas e Pandoras que precisam parar de carregar as culpas pelas escolhas dos homens, desde Adão, Jeová e Zeus.


Pandora, óleo sobre tela,John William Waterhouse, 1896

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