domingo, 4 de junho de 2017

Saturno tem seu preço!

A noção de eu individualizado é uma demanda existencial que emerge no Renascimento entre os séculos XIV e XVII, e que vai ganhando maior expressividade nos séculos seguintes, com o Iluminismo (séc. XVIII – XIX) e chegando aos nossos dias (séc. XX – XXI) com grande impacto social. As necessidades dos governos e toda organização estatal e privada se alimentam das individualidades que no conjunto formam as massas. O nascimento, a aprendizagem, a segurança pública, o sistema de saúde, transporte, alimentação, e etc, são ocupações de grandes corporações, ora públicas, ora privadas.  O sociólogo Norbert Elias pontua a antítese entre a individualidade e o social, falando do abismo que separa um do outro, apesar de serem os mesmos elementos, ambos são pessoas, singular e plural, mas a diferença é a ordem dos agrupamentos e os interesses,  ele lembra dos conceitos da Gestalt que diz que as partes que compõe um todo não podem ser isoladas e analisadas à parte, pois isso incorre numa fissura, desvios, sendo que as partes só interessam em relação ao todo. Essas colocações dialogam com o Holismo, e o Tao, que buscam a integração, união.
Em Astrologia o mapa natal conta um enredo individual, com cores dramáticas, versos humorados, tendências perigosas, caminhos de sucessos, rotas de amor, entre tantos outros cruzamentos e pontes. E se configura um equívoco analisá-lo por partes sem levar em consideração o todo, para uma melhor compreensão não basta saber se minha Vênus é retrógrada, ou se meu Sol em Áries em trígono com Marte em Leão me alavancará ou me arrastará pelos caminhos que mostram o mapa. Ao estarmos familiarizados com as configurações astrológicas, perceberemos que o que parece uma “queda”, um “maléfico”, “detrimento” ou qualquer outra propriedade que requeira maior atenção, que carrega tensão em suas energias nos empurram para uma vida mais dinâmica que muitas vezes obriga o ser individual a desvendar em meio à crises de identidade à sua rota de vida. E ter um mapa com configurações “benéficas”, “domiciliados”, “exaltações” não é garantia de nada, pelo contrário, às vezes a sensação de bem aventurança que um mapa positivado carrega pode deixar a personalidade humana preguiçosa, desdenhosa, porque as facilidades acomodam e as crises movimentam. O certo é que apesar de todo o destino escrito nas estrelas, os caminhos dos homens e mulheres é que contam suas histórias, alguns mais tranquilos, outros em turbulência.
A estrutura da individualidade é representada por Saturno, senhor dos tempos, porta voz do carma, que toma conta de cada falha para na hora certa trazer a conta e exige o acerto. Por volta dos 28 anos de idade o planeta Saturno faz uma volta completa ao redor do Sol natal de cada pessoa, e nessa ocasião conhecida popularmente por “crise dos trinta” é que nos vem há primeira conta de Saturno. Afinal já passou boa parte da vida e não vamos ser eternamente jovens com um futuro inteiro pela frente. Nessa fase as desculpas, defesas, vícios, faltas e qualquer outra artimanha de resistência que o ego tenha construído para si serão postas em xeque e provavelmente deverão ser superadas e feitas as modificações necessárias para uma vida adulta integrada. Vamos analisar uma suposta situação, a pessoa por volta de seus 21 anos resolve que vai se profissionalizar na mesma linha que um de seus pais, daí lá no Retorno de Saturno, se apercebe insatisfeita e identifica na profissão uma escolha da qual se arrepende, então é hora de mudar e começar do zero ou continuar ou quem sabe ainda mudar parcialmente, fazendo ajustes. Ambas as escolhas acarretam perdas de um lado e ganhos em outro. Ser adulto é ter responsabilidades pelas escolhas e se não tiver é arcar com a frustração de um Saturno nada satisfeito. As aflições de Saturno são sentidas nos ossos, nas articulações doloridas e atravancadas pela falta de coragem, pelo peso emocional de relações mantidas pela conveniência social, mas em nada desejadas por nossa Vênus ou Lua, é também a ambição avassaladora que não mede esforços para chegar onde quer, deixando nosso Marte raivoso. A estrutura saturnina reflete em todos os pontos.
Uma vez identificada nossas escolhas que não nos servem mais, logo ocorrerá as mudanças que devemos empreender. Saturno é a estrutura, o Sol é a força motriz, a Lua é o conteúdo da alma, Mercúrio é a mente racional, Vênus é o nosso sistema de valores, Marte é a nossa força de arranque, Júpiter é capacidade de expansão do espírito, Urano é a mente inventiva, Netuno é nossa oração e Plutão é o poder que transforma destruindo e construindo ininterruptamente. Após o primeiro Retorno de Saturno, nossa vida não será mais a mesma, muito dependerá do que faremos para manter, restaurar ou trocar nossas estruturas. Saturno vem para nos avisar que somos responsáveis por nossa existência e o que ele nos revela em meio à crise de seu retorno é a chave para a maturidade.
Semelhante ao que acontece entre o indivíduo e a sociedade, quando na fragmentação, a individualidade se aliena do social e o social ao ignorar as necessidades íntimas, cria o que Norbert Elias caracterizou como abismos, ocorre algo semelhante na Astrologia quando em uma oportunidade como a do Retorno de Saturno a personalidade preferir deixar na sombra da psique o que a crise evoca, e não se esforçar para fazer o trabalho de reestruturação, deixando ocorrer outro abismo, mas na consciência,  essa escolha é mais infeliz, apesar da falsa sensação de segurança que representa quando o ego se agarra ao velho e não quer trazer espaço para o novo, Saturno é segurança, e a falsa segurança de uma estrutura que não se suporta é a ruína, e para não chegar até ela o que Saturno nos ensina e exige como prova do aprendizado? Temos uma vida inteira para descobrir e agir, e de tempos em tempos Saturno vem cobrar seu preço por nós existirmos aqui na Terra. Um preço justo a pagar é com a responsabilidade e Saturno ama responsabilidade, e não será nada mal ter o amor de Saturno em nosso destino. 

Imagem: Eugenia Loli

5 comentários: